A cruz dizia à terra onde assentava,
Ao vale obscuro, ao monte áspero e mudo:
— Que és tu, abismo e jaula, aonde tudo
Vive na dor e em luta cega e brava?
Sempre em trabalho, condenada escrava.
Que fazes tu de grande e bom, contudo?
Resignada, és só lodo informe e rudo;
Revoltosa, és só fogo e horrida lava...
Mas a mim não há alta e livre serra
Que me possa igualar!.. amor, firmeza,
Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra!
Sou o espírito, a luz!.. tu és tristeza,
Oh lodo escuro e vil! — Porém a terra
Respondeu: Cruz, eu sou a Natureza!
Antero de Quental, in "Sonetos"